segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Sonhos de Anastácia nº 02

Como era de se esperar esse hábito de Anastácia parecia não ter fim e, possivelmente, nem mesmo um começo; apenas acontecia, assim, sem mais nem por que. Sonhava de forma intermitente, às vezes acordada, noutras dormindo.

Na noite passada seus sonhos mais pareciam uma complexa colcha de retalhos, fragmentos relacionados, estórias distorcidas, pessoas que eram nem alma e nem carne, mas espectros que circulavam entre nós como entes queridos e bem-vindos.

Um desses quadros chamou a atenção de Anastácia, talvez por ter sido o que mais se fixou em sua mente, talvez por ter sido o mais longo, ou ainda, por nenhum motivo específico. Fato é que ficou se desenrolando no pensamento de Anastácia por todo o dia.

Havia sonhado com a casa de sua bisavó. A casa não pertencia mais à família, mas ainda existia e sua arquitetura havia sido conservada. Era realmente uma casa muito bonita e Anastácia passou bons momentos de sua infância lá. No entanto em seu sonho a casa havia se modificado drasticamente, o novo proprietário realizara modificações literalmente terríveis, não se sabe se com o intuito de melhorar ou de estragar o que simplesmente não precisava de nenhum reajuste. Anastácia transitava pela casa atônita. Caminhou até o quarto de sua bisavó e a encontrou lá no meio do quarto vazio chorando. Mas sonhos, como se sabe, sempre pregam suas peças; a bisavó de Anastácia não era a mesma pessoa. Bom na verdade era, mas a sua aparência era outra, estava jovem, mas muito triste, de uma maneira que Anastácia nunca havia conhecido.

Mesmo caminhando ao seu redor ela não percebeu a presença de Anastácia, era como se Anastácia não pudesse ser vista; e por mais que tentasse acalmar sua bisa, esta não a escutava e continuava a chorar copiosamente, pois sua casa estava sendo deformada.

É, Anastácia acordou triste e pensativa, sabia que a casa estava na realidade intacta, mas até quando? Ou ainda, até quando as pessoas conseguiriam admirar e recontar a sua história nas cidades? Até quando teríamos história pra contar? Será que à medida que perdemos nossas lembranças nós também rejuvenescemos? Não rejuvenescer da forma como apreciamos, mas no sentido de perder as memórias vividas, afinal a medida em que envelhecemos mais sabedoria adquirimos, sendo seu inverso completamente proporcional. Será que era isso então que sua bisavó estava sentindo, sua vida, bem como suas recordações sendo tiradas aos poucos e por isso estava cada vez mais jovem e triste, uma vez que não queria perder tudo o que já tinha passado?

Bom Anastácia não chegou a nenhuma conclusão que desse significado exato para os sentimentos e reflexões que essa visão tinha lhe trazido, mas continuou com a firme certeza de que é muito bom caminhar nas cidades que contam por si mesmas suas histórias, assim como conhecer pessoas que com suas marcas, cicatrizes e anos de idade também contam o que a vida já lhes ensinou.


Silvia gostaria que nossa história estivesse mais preservada, assim como a idade natural das coisas e das pessoas.



2 comentários:

Sisa disse...

Oi Silvia,
Como não sou eu que estou postando, tenho às vezes demorado dias pra ler os textos, e comento tudo de uma vez, rs...
Fiquei pensando no seu texto, essa associação de estar perdendo suas recordações e rejuvenescendo ficou muito forte pra mim... afinal, o que a gente é além das coisas que a gente lembra que viveu e passou???? E se coisas passadas já dizem tanto de uma pessoa, você tem razão quando diz que elas contam tanto sobre cidades, sociedades e tanta coisa que merece que sua história seja contada, ou no mínimo preservada...

Angel disse...

Adoro conversar com idosos, ouvir suas histórias, de realidades tão distintas das de hoje.

Adoro também sua forma de escrever. É bom de ler...

Beijos!

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