terça-feira, 16 de setembro de 2008

O Parto do Cartão

Minha mãe ensinou-me, desde muito cedo, a não gastar mais do que ganho. Aprendi sim. Juro! Nesse quesito, meus pés estão grudadinhos no chão. Mas há certos objetos, um tantinho mais caros, que não estou apta a adquirir com pagamento à vista, como, por exemplo, uma calculadora HP, um aspirador de pó, um par de óculos de sol. Sim, tenho intenção de comprar esses três objetos há um bom tempo, um de cada vez, claro! Como? E a grana?

Algumas amigas já me ofereceram o cartão de crédito emprestado para comprar o que eu quiser. Eu sempre digo: vamos combinar... Na verdade, morro de vergonha de usar o cartão de alguém, ainda que amigo.

Nunca tive um cartão de crédito por opção. Acho uma porta (de 5m de altura por 3m de largura) arreganhada para o abismo. Só ouço histórias de pessoas atoladas nos juros dos cartões pelo excesso de gasto. Voltando aos ensinamentos de mamãe, só se endivida quem é descontrolado, impulsivo. Não é o meu caso. Ainda assim relutei até agora contra os cartões de crédito.

Então resolvi, há uns dois meses, ter um. Uma colega de trabalho indicou-me um daqueles Free – doravante denominado Freescura -, talvez seja o mais divulgado por aí. Pois bem, corri atrás do Freescura, cadastrei-me, enviei documentação solicitada, sentei aqui na minha cadeirinha e pus-me a esperar, ansiosamente, pelo prazo mínimo de uma resposta. Liguei e brochei. Eu não atendi os requisitos mínimos para ser digna do Freescura. Inocentemente, liguei para saber quais seriam esses requisitos, mas, por regra da administradora, essa informação não pode ser divulgada. Para consolo, ouvi: “a senhora pode solicitar o cartão novamente daqui a seis meses”. Tive vontade de mandar as três pessoas que me disseram isso para a pqp, mas num gesto magnânimo, pensei que aquelas almas gerundistas não precisavam pagar pela minha decepção.

Então, pacientemente, fui à segunda tentativa. Outra administradora – doravante denominada Yellowciti, também renomada, em que solicitei dois cartões diferentes, enviei os documentos necessários aos dois e pus-me a esperar novamente. Liguei após alguns dias e a única posição era: “em processo de análise”. Sem previsão de resposta concreta. Quando cansei de ligar, chegaram duas correspondências da Yellowciti (a respeito de um dos cartões solicitados) pedindo os mesmos documentos que eu já havia enviado, dentre eles comprovante de renda. Após um suspiro fundo e uma noite de poucas horas de sono, resolvi enviar os documentos solicitados. Dois dias depois, recebi a ligação de um Yellowboy gerundista, dizendo-me que meu comprovante de renda não foi aceito. Como assim, se eu enviei cópia de meu holerite? A resposta da criatura foi: “só podemos aceitar um extrato de sua conta como comprovante”. Ótimo, pensei e disse: “trabalho no local em que tenho conta corrente, posso imprimir agora e enviar.” A doce e não menos brochante resposta foi: “só podemos estar aceitando aquele extrato de caixa eletrônico, aquele amarelinho, sabe!” Annnnhhhh!? Amarelinho? “Então quer dizer que eu tenho a solução na minha mão e ela não será aceita?” “É, só o amarelinho.” “Então deleta.” “Como senhora?” “Deleta, cancela, me esquece...” “A senhora tem certeza de que não vai enviar o documento?” “ABSOLUTA. Cancela tudo. Não preciso de ninguém para complicar mais a minha vida, faço isso muito bem sozinha, bom dia!” Meu Deus, que raiva!!!!! E ele ainda me disse que a minha outra solicitação (de um cartão universitário) não existia no sistema.

Talvez tudo isso tenha ocorrido como sinal de que não era mesmo para eu ter um cartão de crédito. Afinal, quem já viveu até hoje sem um aspirador de pó não vai sentir falta alguma, nem quando o carro estiver cheio de pelo do Ringo e eu tiver nojo até de desligar o alarme. Enfim, resignada, resolvi esquecer essa idéia tardia de cartão.

Uma semana após o fim dessa saga, chega em minha residência o tal cartão cuja solicitação não existia no sistema. Esse mesmo, o universitário. Eis a minha primeira e única cesariana. Olhei para ele como quem olha para um prato de farofa após ter comido uma feijoada completa. Tive enjôos. Deixei-o onde estava e pensei: “amanhã, com cabeça fria certamente o verei com outros olhos e estômago.” Agora, já desbloqueado, lá está ele na gaveta do criado (lugar de onde ele só sairá nos momentos estratégicos de compra). Ele é até bonitinho e já foi testado com a aquisição de um CD do Paulinho da Viola. No próximo mês, quem sabe o aspirador... Nem vou precisar lembrar-me dos ensinamentos de mamãe para manter uma relação de distância com o bichinho. Depois desse verdadeiro parto, não vou me permitir intimidade e impulsividade. Quanto menos contato com os Yellowloucos melhor.


Angélica está de posse de seu primeiro, sofrido e chorado cartão de crédito.
Lamenta pelas empresas que prestam serviços deficientes e contraditórios nesse ramo. Continuará com os pés grudados no chão e o cartão no criado.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito Bom.

!!@v@nte !!

Anônimo disse...

Boa sorte com seu cartão de credito, seu mais novo filho!

Muito obm seu texto!


Júlia

Renata disse...

Parabéns pelo parto! Que ele tenha as bençãos das almas gerundistas e te traga muitos bens, de preferência não supérfluos. Só alguns!

Ah: me parece q empresas aéreas q voam pro sul aceitam esses cartões, hein?
Beijos!!!

Matheus Cardoso disse...

Esse tal de dinheiro de plástico é osso...
Beijos!

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